26 de outubro de 2005

crítica: conservadorismo

REFERENDO 2005: BRASILEIRO É CONSERVADOR

O referendo de 23 de Outubro foi um bom raio-x da atual sociedade brasileira. Deram-se muitas explicações para o resultado, que foi o NÃO à proibição da fabricação e comercialização de armas de fogo e munição (quanto “ão”!). Também quero observar quatro razões por que o brasileiro disse NÃO. A saber:
1.O brasileiro é conservador;
2.Teme mudanças bruscas (para não dizer que é bunda mole);
3.Pretende ser racional em seus julgamentos, mas é emotivo; e,
4.Faltam-lhe perspectivas de melhoras no cenário nacional.
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Embora se viva em uma época de liberdade nunca imaginada nos tempos da ditadura, o brasileiro continua a ser conservador. Ainda vivemos em sociedade paternalista, cujos valores são os do “macho”. A arma torna o homem mais viril, ainda mais “macho”! Nas mãos de uma mulher, desperta a sensualidade, a luxúria. Mas, homem ou mulher, os que votaram NÃO, em sua maioria, têm um caráter conservador. Pergunte a algum deles, pais e mães, se desejariam ter um filho homossexual, ou uma filha promíscua. Prefeririam a morte (não todos), mas, sabendo que podem comprar armas para sua auto-execução.
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Por ser conservador, o brasileiro é medroso (para não dizer bundão); teme mudanças bruscas. Aposto que ele sai com um guarda chuva na bolsa em um dia de sol primaveril! Lula teve de disputar quatro eleições para chegar à presidência da república. Foi necessária a dinastia dos Fernandos, com um queijeiro topetudo como recheio, para que o brasileiro, enfim, votasse no operário. Um homem sem estudos? Lá no Planalto? O povo não engolia tal idéia, por ser conservador. Isso até que alguém dissesse que o Lula já havia feito quatro faculdades (só não terminou a quinta porque acabou o tijolo; certo, foi sem graça; eu sei!). Mas, o fato é que o povo venceu se conservadorismo eleitoral, elegendo o pernambucano. Alguns já deram a marcha à ré em sua atitude vanguardista, tendo se arrependido de Outubro de 2002 – não será surpresa alguma se o PSDB voltar ao poder em 2007!
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Já o Lula, que era radical, foi passando do moderado ao liberal, até se tornar um conservador politicamente aceitável que o levou à Granja do Torto. O problema é que não avisaram para ele onde era o freio do conservadorismo! Voltando ao referendo...
Apesar de toda a pretensão racionalista, o brasileiro não é mais do que homens que assistem às novelas (e negam até a morte) e mulheres que têm medo de traques (o famoso “peido de véia” tão usado nas festas juninas); são emotivos. O discurso da campanha do NÃO trabalha bem esse ponto, ao dizer: “se você não é ladrão, vote NÃO”; “não tire o direito de quem precisa usar uma arma”; ou, ainda, “defenda seus direitos; contra a proibição, vote NÃO”. São argumentos de figura racional, é verdade; porém, escondem ao fundo o seu real discurso: o do medo (até parecia a campanha do Serra, em 2002, quando a Regina Duarte apareceu dizendo que tinha medo do Lula! Será que foi por medo dele que o NÃO venceu?).
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E depois, a própria frente parlamentar que defendia o NÃO explicitou suas intenções: “o problema é o ladrão ter a certeza de que você não tem uma arma”. Até fiquei com medo! Ai, cruzes! O medo de que o banditismo aumentasse foi determinante para a vitória do NÃO, somados à eficácia das secretarias de segurança pública.
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Entretanto, mais do que isso tudo, o voto no NÃO foi um ato de protesto, motivado pela falta de perspectivas em um futuro melhor. Foi o grito dos que perderam as esperanças , dos que se conformam com tal situação e pensam não ter mais jeito para o país. Foi o voto contra tudo o que está errado: mensalão, mensalinho, Severinos, o turcão (tá solto de novo, hein!); até no futebol! – a alegria do povo! Contra as brigas dos bobos, nos trns, nos ônibus (o que me faz lembrar das tarifas abusivas, em contraste com a qualidade do transporte público). Inflação (ela existe), desastres ambientais – provocados ou naturais; sem-teto, sem-terra, sem-vergonhas desses deputados. Deputados, deputados, deputados! Já estou cansado! O brasileiro também. E, talvez, por tudo isso, tenha votado NÃO – porque é conservador. Se não fosse, faria como “nuestros hermanos argentinos” que vão às ruas. Lá, é quebra-quebra, é saque, é político safado na rua (por falar nisso, por onde anda o De La Rua?), mas, o brasileiro é conservador; ele se cala.
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Contudo, vivemos em uma democracia – a ditadura da maioria – e o NÃO venceu, por ser a voz da maioria, conservadora. Perdemos uma chance ímpar de dar um exemplo ao mundo. Antes, optamos pela continuidade. Se a esperança é a última que morre, e se o homem que nada espera é o mais miserável de todos, então, esse homem é o brasileiro – um conservador. Sim.

20 de outubro de 2005

VIAGEM LONGA


Andar de ônibus, em São Paulo, é sempre uma aventura. Pula-se bastante, passando por lugares interessantes; vendo gente bonita, feia, esquisita, bêbada; às vezes, tudo em uma só viagem. Mas naquele começo de tarde, com os sóis ainda no alto, aconteceu algo inusitado.
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A viagem transcorria tranqüilamente. Uma Segunda-feira, dia 28. Nada novo no ar, a não ser trabalhadores duros, corajosos desempregados e uma meia dúzia de alunos voltando ao lar. Uma viagem comum. Somente um passageiro chamava atenção. A luz solar, em sua face ressequida, parecia não incomodar – o que era verdade. Nenhum esboço de reação; não se mexia, nem sequer um bocejo.
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As ruas esburacadas balançavam aquele corpo inerte. A cabeça batia repetidas vezes no vidro sujo, embaçado com a gordura ali impregnada; era o legado trabalhista deixado pelos passageiros sonolentos, a caminho do trabalho, na manhã que antecedera aquela tarde quente. E a cabeça do infeliz continuava a bater, às vezes com violência.
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Os passageiros olhavam, incrédulos, aquele bate-bate sem fim. Mas foram descendo pelo caminho: os trabalhadores, desempregados e também os alunos, exceto um. Quando o coletivo chegou ao ponto final, ele olhou para o cobrador – como que buscando seu consentimento – ao que recebeu como resposta um menear de cabeça no sentido vertical. Então, balançou levemente o passageiro dorminhoco. Não acordou. Um pouco mais de força: nada! "Senhor, senhor. Já chegamos ao terminal. Acorde!"
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O aluno, já assustado, tornou a olhar para o cobrador. Não sabia o que fazer. Estaria morta aquela pobre alma? O funcionário veio em seu auxílio e deu um safanão no pé da orelha do passageiro, obtendo resultado. "Ponto final Jão. Vai descendo!"
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O cara estava surpreso. Passara de seu ponto habitual. Envergonhado, pediu para voltar com o ônibus. O funcionário concordou. O aluno já havia ido embora para casa. Mais cinco minutos, e o motor roncava de novo. Começava o caminho de volta. "Vê se não dorme de novo aí, bicho!" O passageiro fez sinal de jóia, com o dedo polegar estendido para o cobrador. Nada adiantou. O bicho-preguiça voltou a dormir.
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Pelo caminho de retorno, outros passageiros entravam: alunos, desempregados e uns poucos trabalhadores. O motorista disse ao colega que deixasse o passageiro para lá. "No outro final ele volta!" – disse, soltando uma gargalhada. Seu parceiro o acompanhou no riso.
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Chegando ao término daquela segunda viagem, já com um ar cômico na face, o cobrador foi acordar a múmia do passageiro. Deu o tapa costumeiro, no pé da orelha, mas desta vez não viu os olhos do usuário se abrirem. Mandou outro, mais forte, e nada! O motorista também se aproximou e, tirando o maior sarro da cara do companheiro, perguntou: "Que foi. O piolho morreu!?'' – rindo.
O colega colocou a ponta do indicador sob o queixo do passageiro, verificando a pulsação, e disse: "Morreu!"

11 de outubro de 2005

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QUANDO A NOTA VEM ANTES DA PROVA

Dia de prova é uma loucura! Mas pior que o dia de prova é a noite que antecede uma prova. O aluno não dorme direito, não come direito, não namora direito, não respira direito. Argh! Quanto estresse acumulado! Nada que não se resolva com uma farta alimentação.
Na manhã da prova, antes de sair, o Camilo se alimentou bem. Tão bem que teve de segurar os gases que se formavam nos intestinos, tanto no fino quanto no grosso. Para não ser grosso, segurou-os o máximo que pôde, mesmo com os buracos das ruas, que faziam o ônibus balançar violentamente. Ao saltar, sentiu um alívio imenso por terem enfim saído – ele, do coletivo; os gases, de seu corpo suado.
Mas mais suado estava quando entrou no 4o andar da escola. Seu suor não era proveniente, apenas, de sua caminhada. Seu desjejum havia sido um tanto quente, por isso o seu corpo parecia queimando por dentro. Ele ainda tinha 10 minutos antes da prova; tempo suficiente para uma visita ao banheiro. Precisava eliminar a causa daquele suadouro.
Banheiro de escola sempre tem muitos vasos sanitários. Alguns se encontram sujos quando mais se precisa deles; porém, se procurar, pode-se encontrar uma bacia limpa o bastante para servir de trono ao soberano homem apertado. Camilo encontrou a sua. Feliz, sentou-se rapidamente, despejando a matéria inútil, como um canhão de pólvora velho.
Limpou-se com um papel ruim, áspero feito lixa! Fazer o quê? Mas sentia-se aliviado por haver, enfim, eliminado a fonte de tantas bufas fedorentas. Pensava já na prova. Estava na hora.
Ao tentar abrir a porta se surpreendeu. O trinco estava emperrado. Fechou quando ele entrou, rodou em falso ao tentar abrir. Com isso, não podia dali sair. O quê fazer?
Olhou por baixo das divisórias dos sanitários a fim de saber se estava só no banheiro. Para sua tristeza, havia muitos pés nas divisões ao lado. Alguns tinham as calças arriadas; outros, curiosamente, pareciam não estar sozinhos. Mas isso não era sua maior preocupação. Estava dois minutos além do horário da prova e a professora não costuma admitir retardatários na sala.
Ouviu o som das torneiras se abrindo e fechando. Percebeu que os primeiros pés estavam agora de saída, mas outros entraram. O entra-e-sai não parava, cansava-lhe. Estava com a mesma sensação entediante que sentiu na via expressa que levava à escola, o trânsito não fluíra bem. Mas estava em um banheiro escolar.
Por fim, os pés deixaram o banheiro, em direção às suas salas. Camilo olhou novamente por debaixo das placas que dividiam os espaços. Não viu pé algum. Nove minutos eram passados. Estava na hora de colocar seu plano em ação. Abaixou a tampa do assento, subiu na divisória e tentou sair por cima. Porém, perdeu o equilíbrio e caiu no box ao lado, com um dos pés dentro do vaso. Grito de nojo! A água parecia um tanto turva, mas a bacia era branca. Contudo, a porta ao lado estava aberta e Camilo conseguiu sair.
Tentou secar os pés, com pouco sucesso, lavou as mãos e correu para a sala de aula. Estava com 17 minutos de atraso. A professora, com aquela cara, perguntou-lhe o motivo do atraso. A classe toda parou para ouvir sua justificativa, inclusive Eduarda, sua namorada. Camilo se esforçou para dizer algo sensato, óbvio e que não levantasse suspeita sobre a verdadeira causa do seu atraso. Lembrou-se do corre-corre dentro do banheiro e sua situação de incômoda ali. Já sabia o que dizer. ‘‘Estava preso no trânsito, professora!’’ – disse. Foi-lhe permitida a entrada na sala; sentou-se, iniciou a prova e pensou: por tudo o que passei, mereço um 10!

5 de outubro de 2005

Luxo X Lixo




É sabido de todos que o Brasil é o campeão mundial de desigualdade social. Talvez, sejamos mais habilidosos nisso do que no esporte mais popular do país: o futebol. Justamente por isso, e por ver pessoas humildes ascenderem socialmente graças ao futebol, causa tanta indignação ver um jogador desse esporte ostentar tanta vaidade quanto o fez Ronaldinho Gaúcho, na última semana.
Eu morei em Porto Alegre. Jardim Vila Nova. Zona Sul da capital gaúcha. Era próximo do bairro do Ronaldinho. Passei muitas vezes por lá, a pé. Via os “guris” correndo para lá e para cá, atrás de uma “pelota” e empinando “pandorgas” lindas. Via como viviam. Via como sonhavam, e via também a realidade dos adolescentes e adultos que descobriam a vida real nos ônibus lotados, a caminho do trabalho, ou em busca dele. Via a realidade de privações por que passavam; o que tinham de fazer; ao que tinham de submeter-se. Pessoas simples.
Quando vem ao Brasil, Ronaldinho bate pandeiro com eles, canta e dança. Não posso dizer que sim, mas acredito que ele deva fazer algo de bom à sua comunidade, tal como uma ajuda financeira a uma creche, ou projeto de auxílio à juventude. Mas não posso afirmar tal coisa, pois, ou estou mal informado (e nesse caso, ele realmente tem ajudado alguma instituição), ou ele não o faz (e se faz, não há divulgação). Afinal de contas, há um ditado que diz: ‘‘que a mão direita não saiba o que faz a esquerda’’. Mas mesmo que ele faça muito (suponhamos que sim), que ajude creches, hospitais, instituições filantrópicas com as mais diversas finalidades, nosso país, chamado Brasil, é a terra da imagem. Imagem diz muito. Por isso mesmo que a atitude do craque (ao exibir suas chuteiras douradas) foi lamentável.
Nada contra quem prospera, quem luta para construir. Se alguém consegue atingir uma posição financeira privilegiada é por seus méritos e trabalho honesto (pelo menos no caso dele, sabe-se que realmente o foi com seu suor e não fruto da dominação ou mensalões). Mas perante o mundo, e para o Brasil, foi uma atitude medíocre.
Ou ele é muito ingênuo, ou é esnobe, ou é mal assessorado. O impacto negativo das imagens do craque do Barcelona jogando com a chuteira de ouro podem ser muito ruins. Imagino o jovem que cresceu com ele, em Porto Alegre, e que o vê pela televisão o exibicionismo do amigo. Como acreditar em igualdade e futuro justo para todos quando quem vem de baixo se entrega a tais manias de grandeza? O que ele (Ronaldinho) poderia fazer, ao invés de ficar se exibindo assim, era transmitir a idéia de que precisamos estudar, melhorar nossa vida para sermos úteis aos semelhantes, deixarmos uma contribuição real aos nossos filhos (não apenas o dinheiro). Mas somos filhos do Brasil, um país em que deputados lesam o dinheiro público, atores e atrizes se divertem na Daslu, na companhia de governadores, e playboys desfilam em seus Audi A8 e alguma coisa. A imagem vale mais do que quem você é.
Nesse sentido, é até compreensível a atitude do gaúcho. Talvez ele seja mais vítima do que vilão. Vítima de um sistema que diz – o dinheiro tudo compra! Mas poderia ser pior. Tomemos como exemplo o caso de Michael Jackson.
Num país de brancos, onde a classe dominante é branca (o que se repete em nosso país), onde o modelo de beleza é o branco, eis que surge um negro. Pelo seu talento, enriquece. O dinheiro pode fazer (quase) tudo, inclusive mudar a cor. Aí acontece a porcaria! Não seria uma vítima o cantor?
Talvez, Ronaldinho Gaúcho tenha a mesma síndrome. Mas a obsessão, neste caso, não é a cor, mas a exibição. Como disse, não há problema algum em ser milionário, em nadar tal como o Tio Patinhas, em limpar as partes pudentas com nota de cem, mas não precisa tornar isso público. Muitos jogadores reclamam da falta de segurança e dos recentes seqüestros; se Marinho, Robinho e até mesmo o Grafite foram vítimas de tal crime (tendo suas mães levadas por vagabundos), por tão menos dinheiro em jogo (vale lembrar que nenhum deles teve qualquer demonstração de ostentação), uma atitude como a do craque pode motivar novos crimes.
Enquanto isso, na Ilha das Flores, um piá busca seu alimento entre montes de sacos plásticos!