28 de abril de 2006

Mundos opostos

Antes que o sol saísse, Everaldo se punha de pé, sem hesitação, para iniciar o ritual. Gostava de se barbear ao som dos galos acordando. Nas manhãs frias podia sentir o vento gélido em sua face, como que uma loção pós-barba. Mas não era o único ritual.
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Ao caminho do trabalho, passava na banca, apanhava um jornal especializado em esportes e seguia em direção ao escritório. Gostava de ler. Só não entendia os jornais convencionais que tratavam de tantos assuntos sem sentido para ele.
Saber por que as coisas são como são deixara de ser uma preocupação de Everaldo havia muitos anos. “Não vale a pena”, concluía.

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No balançar do coletivo, via as fotos de seu time, os comentários sobre o último jogo, a situação da parceria firmada com o clube e as notícias dos rivais. Ao lado, com um exemplar dos jornais complicados que Everaldo evitava, estava um homem de média idade. Não saía do editorial. Seus olhos quase saltavam para dentro da página tipo Standard, mas sua postura era reta como a de um pau.

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Do alto de seus sei lá quantos anos de idade imaginava: “Só mesmo um imbecil como esse perde tempo com algo tão efêmero”. Como que percebesse os pensamentos do velho, Everaldo conversava silenciosamente com os seus botões: “O que será que esse tio está pensando? Será que ele pensa ser mais culto do que eu por ler um daqueles jornais? Será que ele realmente entende o que se passa no mundo?” E não parou aí.

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“Ele não deve saber que caiu um ministro; por que as ações da Bovespa sobem tanto; que Judas não é tão ruim quanto pensáramos; que Bush continua sua cruzada imperialista...”, pensava o homem, já com um ar de superioridade em seu semblante senil.

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Everaldo prosseguia: “Ele não deve entender a razão de um técnico ser demitido do cargo; por que o Santos demorou tanto para vender o Robinho; ele não sabe que crucificar o Barbosa já é assunto arcaico e não conhece o mundo sujo dos cartolas!”

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Enfim, chegaram à última paragem. Um olhou para o outro, pensando reciprocamente: “Que droga de cultura!” E cada um foi para o seu trabalho. Começava mais um dia na grande cidade.

7 de abril de 2006

A FRUTA E A RAIZ


Quem é que disse que eu não sou importante?
Só porque não sou tão vistosa quanto és?
Embora esteja encoberta pela terra
Eu te alimento mesmo sendo os teus pés.
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Esse teu brilho cativante a todos chama
Para provar do doce sumo que há em ti
Recebes carinhoso afago de dois lábios
Tão encantados pela tua cor rubi.
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Enquanto isso, tenho chuvas e minhocas
As companheiras de tempos ruins e bons
Quando o sol sobe, sempre queima minhas costas
Por isso tenho esta minha cor marrom.
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És como o maior país capitalista:
Tomas de outros sempre a pensar em si
Mas tua beleza e esplendor dependem de outros –
Ramificados, fortes como o Brasil.
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Mas se quiseres gabar-te, Dizendo as mesmas bobagens
Lembra que uma semente há em ti
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E outra árvore haverá – Feliz –
somente se existir
Harmonia entre a fruta e a raiz.