17 de julho de 2008

Guardiões da tradição




Orquestra de Viola lança novo DVD

Texto e fotos: Alex de Souza
O percussionista Escurinho, programa “Viola minha Viola”, gravou o DVD com a orquestra

Se a maior qualidade de um caipira é a simplicidade, a Orquestra Paulistana de Viola Caipira (OPVC) está bem longe disso. Não por seus integrantes – muito simpáticos e achegados – mas por sua música. De fato, formam uma orquestra, pois a complexidade de se tocar viola (aquela com 10 cordas, distribuídas em cinco pares) ao lado de outros 50 violeiros exige uma coordenação e sincronia que além da capacidade dos seres comuns.
Difícil também se torna a tarefa de descrever a aura que um ensaio da OPVC contém. Ao conversar com o maestro Rui Torneze, a frente da orquestra há mais de 11 anos, era possível ouvir os integrantes afinando seus instrumentos, contando histórias e, entre uma nota e outra, eis que surgia Hotel California, sucesso dos anos 70 com a banda The Eagles. A música é executada de forma incidental pela orquestra, e os mais jovens adoram essa parte!
E por falar nisso, Torneze diz que é interessante ver essa interação de gerações. A diferença de idade é enorme, 78 anos entre o membro mais novo e o mais velho do grupo. “O segredo é extrair o que cada um tem de melhor”, explica o maestro. Os mais jovens adoram dar suas “ponteadas”, ou seja, solos de viola; enquanto que os mais antigos mantêm a base de uma forma cadenciada.
Embora a OPVC tenha um repertório composto, em sua maioria, por músicas instrumentais, há momentos em que seis “cantadores” se perfilam para dar voz a determinadas canções. É o caso de Cabocla (Tonico/Tinoco), uma das músicas mais executadas, e o Hino Nacional Brasileiro, de um modo que Estrada e Silva não desaprovariam – todas as notas são requeridas pelo exigente maestro.

Centro de referência
A orquestra está inserida no Instituto São Gonçalo de Estudos Caipiras, na Vila Matilde, próximo à estação do metrô. Mantida por seus próprios integrantes, o local vai além da música. Segundo Rui Torneze, o objetivo é formar um centro de referência da cultura caipira. A bibliografia sobre o assunto não é muito ampla, mas a biblioteca em formação (ainda não disponível para o público) já dispõe de bom acervo para iniciantes no assunto.
A principal atividade da ONG é resgatar o repertório musical da Viola Caipira, pois não existem publicações formais ou informais com as letras e arranjos dos registros fonográficos originais. Tais arranjos variam bastante, passando pelo cururu, toada, rasta-pé, recortado, cateretê, pagode, etc. São oferecidos cursos de Viola Caipira, Violão Popular, Luthiaria (construção de viola e violão) e Culinária Regional.
Por tudo isso, hoje eles são o grupo mais solicitado para eventos que envolvam a música e a cultura caipira. E isso impulsionou a gravação do segundo DVD da orquestra, gravado no teatro Pedro II, em Ribeirão Preto. Toda a renda do show foi revertida para instituições locais. Assim que estiver pronto, poderá ser adquirido na página da orquestra na internet, que já comercializa os trabalhos anteriores.

Entre o popular e o erudito
A sala utilizada pela orquestra para seus ensaios tem as paredes adornadas com as imagens de São Gonçalo (padroeiro dos violeiros), Cornélio Pires (pioneiro da música caipira no Brasil) e Tião Carreiro (símbolo de uma geração). A viola é um instrumento popular, mas a OPVC conseguiu impor um olhar sustenido em relação à sua musicalidade. Como não poderia deixar de ser, a maior parte do repertório se baseia na música de raiz, mas com um toque de erudição único.
Solitária entre tantas violas, a rabeca de Vera Lúcia Carratu dá esse toque especial às execuções. Aliás, Vera é uma das sete mulheres que integram o grupo. A orquestra também conta com o famoso percussionista Escurinho, integrante do Regional de Inezita Barroso no programa “Viola, Minha Viola”, da TV Cultura. Ao lado de Pena Branca, Inezita apadrinhou o instituto quando de sua criação, em 2001.
Torneze lembra momentos inesquecíveis do grupo. Um deles foi quando se apresentaram na Bovespa. “Havia muitos estrangeiros aquele dia: investidores, empresários. Na hora em que começamos a tocar, aquele clima de tensão da bolsa acabou. Todos se acalmaram e fomos muito aplaudidos”, recorda. Numa outra oportunidade, foram convidados para tocar no aniversário do bairro da Freguesia do Ó.
De acordo com o maestro, havia dois grupos de hip hop, e eles se apresentariam logo depois. A maior preocupação era como a música caipira seria recebida pelas pessoas que estavam no local. Para a surpresa de todos, vários “manos” começaram a pedir: “toca essa; toca aquela”. Alguns chegaram a dizer que enquanto a orquestra tocava, eles se lembravam do pai ou do avô. “Foi muito gratificante”, conclui.

Abaixo: Estátua de violeiro adorna entrada do instituto; à esquerda: Orquestra ensaia sob olhar de Tião Carreiro

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