5 de dezembro de 2005

Educação

EDUCAÇÃO É MAIS DO QUE ESTAR NA ESCOLA

Muito se fala sobre a educação e o seu papel no desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Os governos têm se preocupado em priorizá-la por meio de diferentes objetivos. Mas, que tipo de ações educacionais implementaram: qualitativas ou quantitativas?
Acordos com a Organização das Nações Unidas (ONU) prevêem a erradicação do analfabetismo, a qualidade no ensino e o fim da evasão escolar. São metas louváveis. Porém, o Brasil está longe de atingir esses objetivos, uma vez que – as ações não visam à educação das crianças e adolescentes, mas, sua escolarização.
Segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), em sua página eletrônica, houve cerca de 34 milhões de matrículas no ensino fundamental em 2004 e 10 milhões no ensino médio regular, com apenas 676 mil no nível técnico. O número dos que ingressam no ensino fundamental é considerável; porém, muitos não concluem o ensino médio. As vagas nas escolas técnicas são insuficientes para a demanda de alunos que concluem o ensino fundamental. Grande parte dos que não tiveram uma formação técnica encontra maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho. A escola deveria ser o lugar onde os alunos aprendessem uma profissão, a relacionar-se com os outros e preparar-se para a vida adulta; pois, além da função pedagógica, a escola tem essa função social.
Não faz muito, havia aulas de música, filosofia e oficinas profissionalizantes nas escolas de ensino regular, para citar alguns exemplos. Em um mundo tão racionalista e violento, a música traria bons sentimentos para o jovem; conhecer uma profissão lhe daria a auto-estima e a segurança necessária para enfrentar desafios; e, ao refletir sobre o mundo em que vive, encontraria respostas às suas questões, ou o caminho para elas. Talvez, o custo desse tipo de escolas seria insignificante, perto das possibilidades futuras, porque além de diminuir o analfabetismo, resolver-se-iam muitos problemas sociais como a falta de oportunidades e a violência desmedida.
Quanto ao número de matrículas, não pode ser interpretado como pessoas alfabetizadas por não representar a realidade da educação no Brasil. Hoje, é possível verificar um sem número de adultos que são analfabetos funcionais, lêem sem entender plenamente os significados e têm sua vida social prejudicada. Segundo estudos do INEP, a leitura dos alunos brasileiros é deficiente. Os dados constam no relatório do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), encontrado na página do INEP.
No relatório global Educação para Todos, divulgado em novembro de 2005 pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o Brasil é comparado a países como Hungria e Polônia, quanto aos alunos matriculados; quando a qualidade de ensino é o parâmetro, o Brasil equipara-se a Zâmbia e Senegal. Para um país em desenvolvimento, é muito pouco. Países mais pobres, como o Chile, investem mais em educação e são comparáveis à Espanha e à Coréia do Sul, por exemplo.
Pode-se afirmar que, no Brasil, há uma preocupação maior com o número de pessoas estudando do que com a qualidade do ensino. Além disso, a família – tão carente de instrução quanto os filhos – não pode contribuir de modo significativo na educação formal dos seus, deixando aos governos toda a responsabilidade pelo ensino. Não basta priorizar a escolarização, mas a educação. Existem bons exemplos a serem seguidos. Imprimir qualidade ao ensino é o que se deve fazer para que as crianças de hoje vivam em uma sociedade mais esperançosa, igualitária e humana, no amanhã.

23 de novembro de 2005

MATARAM O MATUTO

Uma crítica ao anti-caipirismo...

Muito se fala sobre o uso da língua e há quem critique duramente o modo de falar do interiorano, também conhecido como matuto ou caipira. Talvez isso ocorra devido ao fato de que o ser humano sempre tende a rotular o modo certo e errado de fazer todas as coisas.
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Há casos de pessoas que falam ``craro``, mas conseguem ser mais claras do que oradores eloqüentes e renomados; há aqueles que em sua infância se deliciaram com um banho no ``corguin``, enquanto outros apenas poluem os córregos e rios que conhecem; há ainda os que dizem que ``nóis fumo``, mas sabem se portar de modo a não ``levar fumo`` em situações relevantes.
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O que se tenta é exterminar uma parte de nossa história. Quando se exige que alguém mude o seu sotaque para parecer intelectual aos ouvidos de quem ouve, também se exige o sepultamento de nossas raízes. Escrever ou falar certo, digo, c-o-r-r-e-t-a-m-e-n-t-e, é apenas uma questão de ocasião.
É pena que em nosso país se confunda progresso e modernidade com o abandono de valores particulares de uma determinada cultura. Precisamos acabar com essa matança!

16 de novembro de 2005

OSSOS DO OFÍCIO



Não era um bom dia para ele. Dormira mal à noite e teria 12 horas de pista pela frente. Sob um sol de 23o C, lá pelas nove da manhã, sinalizava para o motorista do ônibus que se aproximava. Não costumava parar veículos naquele horário, muito menos um carro de grande porte. Mas algo estava errado. Sentia o cheiro da encrenca.
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Seu tirocínio policial nunca o traíra; assim, podia confiar em si. Bastava desconfiar de outrem. Era batata! Se suspeitasse, o soldado Gomes parava. Não apenas isso: perguntava, solicitava documentos, revistava os bolsos, bolsas, casacos e blusões. Nada passava despercebido em suas diligências.
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Três branquelos indo ao Rio lhe parecia demasiado estranho. Brasileiros? – não. Gomes descobrira que Paul, Steve e Carl eram irlandeses. Vinham da Bolívia – o que por si só já era esquisito e levantava suspeitas quanto aos viajantes. Porém, nenhum entorpecente havia com os três infelizes. Tendo passado por Santa Cruz de la Sierra, Steve comprara uma Parabellum 9mm, como as usadas pelos nazistas. Seu brilho despertava a sensação de poder, nas mãos de quem a segurava; medo nos que a viam perante a alça de mira. Foi por essa razão que Steve a comprara. Queria ser convincente no filme que faria – era um estudante de cinema.
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As casas de sal da Bolívia eram o passeio de Paul; a ida ao Rio, de Carl; mas, a ida à delegacia não era o que Steve tinha em mente – era idéia de Gomes. E ele via o ônibus se distanciar, após haver liberado os rapazes. Eram quase 11 horas da manhã; hora de ir ao posto de gasolina para uma merecida refeição. Seu estômago doía, como se estivesse queimando-lhe as paredes. Para policiais a refeição era por conta da casa – ainda mais para os rodoviários; é o famoso ``QSA a milhão``.
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O prato do dia era costela. Nada melhor após uma apreensão de arma, mesmo que de brinquedo.

11 de novembro de 2005

Frase!!!


"Um único ato ruim pode destruir o efeito de mil boas ações"

3 de novembro de 2005

poesia: uma homenagem às mulheres


JUNTAS, CAMINHAMOS



Porque somos mulheres
Temos tantos afazeres
Das escolas às indústrias
Desde o campo até os mares
Nas montanhas e nos vales
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Sem contar as horas extras!
Que não causam mais surpresas
Ufa! Haja coragem!
Ainda não falei dos lares!
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Mas, contudo,
Isso tudo o que fazemos,
Fazemos sem murmúrios
Sem tristezas
Sem lamentos
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Porque não somos frágeis
Somos rocha!
Inquebráveis!
E vencemos os revezes
Porque somos mulheres!
-
E porque somos mulheres
Somos mães
E há também avós
Algumas são esposas
Outras vivem sós
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Sozinhas de uma companhia
Masculina
Por assim dizer
Mas sempre uma amiga
Também sempre o que fazer
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A lida não espera
A sujeira,
Uma intrusa
Uma casa sem mulher
Não vê ordem, nem ternura
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Oh! Quanto é dura a sua lida
Bem sabemos como é
Pois que nunca descansamos
Às vezes, se dorme em pé
Porque somos rocha firme
Cada uma – uma mulher
-
E porque mulheres somos
Avó
Esposa
Mãe
Irmãs
Ensinamos aprendendo,
Aprendemos com afã
-
E se a vida é difícil
A amizade a torna fácil
Amor
Caridade

Perdão
Quando vêm do coração
Felicita e enobrece
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Para sempre,
sempre unidas
Porque somos rocha
Porque somos mulheres

26 de outubro de 2005

crítica: conservadorismo

REFERENDO 2005: BRASILEIRO É CONSERVADOR

O referendo de 23 de Outubro foi um bom raio-x da atual sociedade brasileira. Deram-se muitas explicações para o resultado, que foi o NÃO à proibição da fabricação e comercialização de armas de fogo e munição (quanto “ão”!). Também quero observar quatro razões por que o brasileiro disse NÃO. A saber:
1.O brasileiro é conservador;
2.Teme mudanças bruscas (para não dizer que é bunda mole);
3.Pretende ser racional em seus julgamentos, mas é emotivo; e,
4.Faltam-lhe perspectivas de melhoras no cenário nacional.
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Embora se viva em uma época de liberdade nunca imaginada nos tempos da ditadura, o brasileiro continua a ser conservador. Ainda vivemos em sociedade paternalista, cujos valores são os do “macho”. A arma torna o homem mais viril, ainda mais “macho”! Nas mãos de uma mulher, desperta a sensualidade, a luxúria. Mas, homem ou mulher, os que votaram NÃO, em sua maioria, têm um caráter conservador. Pergunte a algum deles, pais e mães, se desejariam ter um filho homossexual, ou uma filha promíscua. Prefeririam a morte (não todos), mas, sabendo que podem comprar armas para sua auto-execução.
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Por ser conservador, o brasileiro é medroso (para não dizer bundão); teme mudanças bruscas. Aposto que ele sai com um guarda chuva na bolsa em um dia de sol primaveril! Lula teve de disputar quatro eleições para chegar à presidência da república. Foi necessária a dinastia dos Fernandos, com um queijeiro topetudo como recheio, para que o brasileiro, enfim, votasse no operário. Um homem sem estudos? Lá no Planalto? O povo não engolia tal idéia, por ser conservador. Isso até que alguém dissesse que o Lula já havia feito quatro faculdades (só não terminou a quinta porque acabou o tijolo; certo, foi sem graça; eu sei!). Mas, o fato é que o povo venceu se conservadorismo eleitoral, elegendo o pernambucano. Alguns já deram a marcha à ré em sua atitude vanguardista, tendo se arrependido de Outubro de 2002 – não será surpresa alguma se o PSDB voltar ao poder em 2007!
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Já o Lula, que era radical, foi passando do moderado ao liberal, até se tornar um conservador politicamente aceitável que o levou à Granja do Torto. O problema é que não avisaram para ele onde era o freio do conservadorismo! Voltando ao referendo...
Apesar de toda a pretensão racionalista, o brasileiro não é mais do que homens que assistem às novelas (e negam até a morte) e mulheres que têm medo de traques (o famoso “peido de véia” tão usado nas festas juninas); são emotivos. O discurso da campanha do NÃO trabalha bem esse ponto, ao dizer: “se você não é ladrão, vote NÃO”; “não tire o direito de quem precisa usar uma arma”; ou, ainda, “defenda seus direitos; contra a proibição, vote NÃO”. São argumentos de figura racional, é verdade; porém, escondem ao fundo o seu real discurso: o do medo (até parecia a campanha do Serra, em 2002, quando a Regina Duarte apareceu dizendo que tinha medo do Lula! Será que foi por medo dele que o NÃO venceu?).
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E depois, a própria frente parlamentar que defendia o NÃO explicitou suas intenções: “o problema é o ladrão ter a certeza de que você não tem uma arma”. Até fiquei com medo! Ai, cruzes! O medo de que o banditismo aumentasse foi determinante para a vitória do NÃO, somados à eficácia das secretarias de segurança pública.
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Entretanto, mais do que isso tudo, o voto no NÃO foi um ato de protesto, motivado pela falta de perspectivas em um futuro melhor. Foi o grito dos que perderam as esperanças , dos que se conformam com tal situação e pensam não ter mais jeito para o país. Foi o voto contra tudo o que está errado: mensalão, mensalinho, Severinos, o turcão (tá solto de novo, hein!); até no futebol! – a alegria do povo! Contra as brigas dos bobos, nos trns, nos ônibus (o que me faz lembrar das tarifas abusivas, em contraste com a qualidade do transporte público). Inflação (ela existe), desastres ambientais – provocados ou naturais; sem-teto, sem-terra, sem-vergonhas desses deputados. Deputados, deputados, deputados! Já estou cansado! O brasileiro também. E, talvez, por tudo isso, tenha votado NÃO – porque é conservador. Se não fosse, faria como “nuestros hermanos argentinos” que vão às ruas. Lá, é quebra-quebra, é saque, é político safado na rua (por falar nisso, por onde anda o De La Rua?), mas, o brasileiro é conservador; ele se cala.
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Contudo, vivemos em uma democracia – a ditadura da maioria – e o NÃO venceu, por ser a voz da maioria, conservadora. Perdemos uma chance ímpar de dar um exemplo ao mundo. Antes, optamos pela continuidade. Se a esperança é a última que morre, e se o homem que nada espera é o mais miserável de todos, então, esse homem é o brasileiro – um conservador. Sim.

20 de outubro de 2005

VIAGEM LONGA


Andar de ônibus, em São Paulo, é sempre uma aventura. Pula-se bastante, passando por lugares interessantes; vendo gente bonita, feia, esquisita, bêbada; às vezes, tudo em uma só viagem. Mas naquele começo de tarde, com os sóis ainda no alto, aconteceu algo inusitado.
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A viagem transcorria tranqüilamente. Uma Segunda-feira, dia 28. Nada novo no ar, a não ser trabalhadores duros, corajosos desempregados e uma meia dúzia de alunos voltando ao lar. Uma viagem comum. Somente um passageiro chamava atenção. A luz solar, em sua face ressequida, parecia não incomodar – o que era verdade. Nenhum esboço de reação; não se mexia, nem sequer um bocejo.
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As ruas esburacadas balançavam aquele corpo inerte. A cabeça batia repetidas vezes no vidro sujo, embaçado com a gordura ali impregnada; era o legado trabalhista deixado pelos passageiros sonolentos, a caminho do trabalho, na manhã que antecedera aquela tarde quente. E a cabeça do infeliz continuava a bater, às vezes com violência.
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Os passageiros olhavam, incrédulos, aquele bate-bate sem fim. Mas foram descendo pelo caminho: os trabalhadores, desempregados e também os alunos, exceto um. Quando o coletivo chegou ao ponto final, ele olhou para o cobrador – como que buscando seu consentimento – ao que recebeu como resposta um menear de cabeça no sentido vertical. Então, balançou levemente o passageiro dorminhoco. Não acordou. Um pouco mais de força: nada! "Senhor, senhor. Já chegamos ao terminal. Acorde!"
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O aluno, já assustado, tornou a olhar para o cobrador. Não sabia o que fazer. Estaria morta aquela pobre alma? O funcionário veio em seu auxílio e deu um safanão no pé da orelha do passageiro, obtendo resultado. "Ponto final Jão. Vai descendo!"
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O cara estava surpreso. Passara de seu ponto habitual. Envergonhado, pediu para voltar com o ônibus. O funcionário concordou. O aluno já havia ido embora para casa. Mais cinco minutos, e o motor roncava de novo. Começava o caminho de volta. "Vê se não dorme de novo aí, bicho!" O passageiro fez sinal de jóia, com o dedo polegar estendido para o cobrador. Nada adiantou. O bicho-preguiça voltou a dormir.
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Pelo caminho de retorno, outros passageiros entravam: alunos, desempregados e uns poucos trabalhadores. O motorista disse ao colega que deixasse o passageiro para lá. "No outro final ele volta!" – disse, soltando uma gargalhada. Seu parceiro o acompanhou no riso.
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Chegando ao término daquela segunda viagem, já com um ar cômico na face, o cobrador foi acordar a múmia do passageiro. Deu o tapa costumeiro, no pé da orelha, mas desta vez não viu os olhos do usuário se abrirem. Mandou outro, mais forte, e nada! O motorista também se aproximou e, tirando o maior sarro da cara do companheiro, perguntou: "Que foi. O piolho morreu!?'' – rindo.
O colega colocou a ponta do indicador sob o queixo do passageiro, verificando a pulsação, e disse: "Morreu!"

11 de outubro de 2005

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QUANDO A NOTA VEM ANTES DA PROVA

Dia de prova é uma loucura! Mas pior que o dia de prova é a noite que antecede uma prova. O aluno não dorme direito, não come direito, não namora direito, não respira direito. Argh! Quanto estresse acumulado! Nada que não se resolva com uma farta alimentação.
Na manhã da prova, antes de sair, o Camilo se alimentou bem. Tão bem que teve de segurar os gases que se formavam nos intestinos, tanto no fino quanto no grosso. Para não ser grosso, segurou-os o máximo que pôde, mesmo com os buracos das ruas, que faziam o ônibus balançar violentamente. Ao saltar, sentiu um alívio imenso por terem enfim saído – ele, do coletivo; os gases, de seu corpo suado.
Mas mais suado estava quando entrou no 4o andar da escola. Seu suor não era proveniente, apenas, de sua caminhada. Seu desjejum havia sido um tanto quente, por isso o seu corpo parecia queimando por dentro. Ele ainda tinha 10 minutos antes da prova; tempo suficiente para uma visita ao banheiro. Precisava eliminar a causa daquele suadouro.
Banheiro de escola sempre tem muitos vasos sanitários. Alguns se encontram sujos quando mais se precisa deles; porém, se procurar, pode-se encontrar uma bacia limpa o bastante para servir de trono ao soberano homem apertado. Camilo encontrou a sua. Feliz, sentou-se rapidamente, despejando a matéria inútil, como um canhão de pólvora velho.
Limpou-se com um papel ruim, áspero feito lixa! Fazer o quê? Mas sentia-se aliviado por haver, enfim, eliminado a fonte de tantas bufas fedorentas. Pensava já na prova. Estava na hora.
Ao tentar abrir a porta se surpreendeu. O trinco estava emperrado. Fechou quando ele entrou, rodou em falso ao tentar abrir. Com isso, não podia dali sair. O quê fazer?
Olhou por baixo das divisórias dos sanitários a fim de saber se estava só no banheiro. Para sua tristeza, havia muitos pés nas divisões ao lado. Alguns tinham as calças arriadas; outros, curiosamente, pareciam não estar sozinhos. Mas isso não era sua maior preocupação. Estava dois minutos além do horário da prova e a professora não costuma admitir retardatários na sala.
Ouviu o som das torneiras se abrindo e fechando. Percebeu que os primeiros pés estavam agora de saída, mas outros entraram. O entra-e-sai não parava, cansava-lhe. Estava com a mesma sensação entediante que sentiu na via expressa que levava à escola, o trânsito não fluíra bem. Mas estava em um banheiro escolar.
Por fim, os pés deixaram o banheiro, em direção às suas salas. Camilo olhou novamente por debaixo das placas que dividiam os espaços. Não viu pé algum. Nove minutos eram passados. Estava na hora de colocar seu plano em ação. Abaixou a tampa do assento, subiu na divisória e tentou sair por cima. Porém, perdeu o equilíbrio e caiu no box ao lado, com um dos pés dentro do vaso. Grito de nojo! A água parecia um tanto turva, mas a bacia era branca. Contudo, a porta ao lado estava aberta e Camilo conseguiu sair.
Tentou secar os pés, com pouco sucesso, lavou as mãos e correu para a sala de aula. Estava com 17 minutos de atraso. A professora, com aquela cara, perguntou-lhe o motivo do atraso. A classe toda parou para ouvir sua justificativa, inclusive Eduarda, sua namorada. Camilo se esforçou para dizer algo sensato, óbvio e que não levantasse suspeita sobre a verdadeira causa do seu atraso. Lembrou-se do corre-corre dentro do banheiro e sua situação de incômoda ali. Já sabia o que dizer. ‘‘Estava preso no trânsito, professora!’’ – disse. Foi-lhe permitida a entrada na sala; sentou-se, iniciou a prova e pensou: por tudo o que passei, mereço um 10!

5 de outubro de 2005

Luxo X Lixo




É sabido de todos que o Brasil é o campeão mundial de desigualdade social. Talvez, sejamos mais habilidosos nisso do que no esporte mais popular do país: o futebol. Justamente por isso, e por ver pessoas humildes ascenderem socialmente graças ao futebol, causa tanta indignação ver um jogador desse esporte ostentar tanta vaidade quanto o fez Ronaldinho Gaúcho, na última semana.
Eu morei em Porto Alegre. Jardim Vila Nova. Zona Sul da capital gaúcha. Era próximo do bairro do Ronaldinho. Passei muitas vezes por lá, a pé. Via os “guris” correndo para lá e para cá, atrás de uma “pelota” e empinando “pandorgas” lindas. Via como viviam. Via como sonhavam, e via também a realidade dos adolescentes e adultos que descobriam a vida real nos ônibus lotados, a caminho do trabalho, ou em busca dele. Via a realidade de privações por que passavam; o que tinham de fazer; ao que tinham de submeter-se. Pessoas simples.
Quando vem ao Brasil, Ronaldinho bate pandeiro com eles, canta e dança. Não posso dizer que sim, mas acredito que ele deva fazer algo de bom à sua comunidade, tal como uma ajuda financeira a uma creche, ou projeto de auxílio à juventude. Mas não posso afirmar tal coisa, pois, ou estou mal informado (e nesse caso, ele realmente tem ajudado alguma instituição), ou ele não o faz (e se faz, não há divulgação). Afinal de contas, há um ditado que diz: ‘‘que a mão direita não saiba o que faz a esquerda’’. Mas mesmo que ele faça muito (suponhamos que sim), que ajude creches, hospitais, instituições filantrópicas com as mais diversas finalidades, nosso país, chamado Brasil, é a terra da imagem. Imagem diz muito. Por isso mesmo que a atitude do craque (ao exibir suas chuteiras douradas) foi lamentável.
Nada contra quem prospera, quem luta para construir. Se alguém consegue atingir uma posição financeira privilegiada é por seus méritos e trabalho honesto (pelo menos no caso dele, sabe-se que realmente o foi com seu suor e não fruto da dominação ou mensalões). Mas perante o mundo, e para o Brasil, foi uma atitude medíocre.
Ou ele é muito ingênuo, ou é esnobe, ou é mal assessorado. O impacto negativo das imagens do craque do Barcelona jogando com a chuteira de ouro podem ser muito ruins. Imagino o jovem que cresceu com ele, em Porto Alegre, e que o vê pela televisão o exibicionismo do amigo. Como acreditar em igualdade e futuro justo para todos quando quem vem de baixo se entrega a tais manias de grandeza? O que ele (Ronaldinho) poderia fazer, ao invés de ficar se exibindo assim, era transmitir a idéia de que precisamos estudar, melhorar nossa vida para sermos úteis aos semelhantes, deixarmos uma contribuição real aos nossos filhos (não apenas o dinheiro). Mas somos filhos do Brasil, um país em que deputados lesam o dinheiro público, atores e atrizes se divertem na Daslu, na companhia de governadores, e playboys desfilam em seus Audi A8 e alguma coisa. A imagem vale mais do que quem você é.
Nesse sentido, é até compreensível a atitude do gaúcho. Talvez ele seja mais vítima do que vilão. Vítima de um sistema que diz – o dinheiro tudo compra! Mas poderia ser pior. Tomemos como exemplo o caso de Michael Jackson.
Num país de brancos, onde a classe dominante é branca (o que se repete em nosso país), onde o modelo de beleza é o branco, eis que surge um negro. Pelo seu talento, enriquece. O dinheiro pode fazer (quase) tudo, inclusive mudar a cor. Aí acontece a porcaria! Não seria uma vítima o cantor?
Talvez, Ronaldinho Gaúcho tenha a mesma síndrome. Mas a obsessão, neste caso, não é a cor, mas a exibição. Como disse, não há problema algum em ser milionário, em nadar tal como o Tio Patinhas, em limpar as partes pudentas com nota de cem, mas não precisa tornar isso público. Muitos jogadores reclamam da falta de segurança e dos recentes seqüestros; se Marinho, Robinho e até mesmo o Grafite foram vítimas de tal crime (tendo suas mães levadas por vagabundos), por tão menos dinheiro em jogo (vale lembrar que nenhum deles teve qualquer demonstração de ostentação), uma atitude como a do craque pode motivar novos crimes.
Enquanto isso, na Ilha das Flores, um piá busca seu alimento entre montes de sacos plásticos!

30 de setembro de 2005

Momento Poético

VITÓRIA

A glória almejada
Mas que nem sempre alcançada é
Ainda assim, com esperança e fé
O inabalável atleta luta
Sem acreditar que escrito está o seu destino
Supera adversidades com semblante erguido
Busca, no pódio, a posição vertical
E completar seus anseios
De batalha sem igual

Da força à técnica perfeita
Cada ação é calculada
Muitas vezes
Pois nada dura para sempre
Nesta vida imperfeita

A esperança não pode morrer
Nada é impossível
Basta querer
E não há fantasia que não se possa tornar real
Há pontes invisíveis entre o concreto e o surreal

Vitória é conquista
Ao alcance das mãos
Ou longe de vista
Mas quando há conquista
Que de rara beleza é
Tudo são sorrisos, tudo é festa, tudo é
E a felicidade não vai embora
Mas se solidifica, se incorpora
Ao viver do que a possui
Para sempre, a vitória

21 de setembro de 2005

Um Motivo Para Ser Melhor

Todos sabem que um casal tem lá as suas briguinhas, seus desarranjos, suas discussões e opiniões que divergem. Todo casal tem suas diferenças e afinidades, que se mostram no dia-a-dia, entre as quatro sagradas paredes do lar. Embora nossa sociedade esteja, a cada dia que passa, colocando o casamento como algo ultrapassado, antiquado e retrógrado, ele continua a ser a célula mãe de qualquer sociedade. O refúgio das intempéries, da violência urbana e dos perigos do reino animal. Ou quase isso.
Após o almoço, (aquele almoço de domingo na casa da sogra) o cara chega em casa com a esposa e vai logo se atirando no sofá, folgado. Todo casal sem filhos acaba por adotar um substituto que supra tal ausência. Algumas vezes é uma coleção de livros antigos; outras tantas, plantas; e há os que se curvam diante da tecnologia. Não obstante, o que mais acontece é a presença, sempre dependente, do cão. Ele pode até ser o melhor amigo do homem, mas nunca conheci um amigo tão dependente para tudo. Minha Nossa!
Uma das tarefas do Lindalvo era justamente alimentar o cachorro que a Feliciana tinha antes que eles se casassem. Naquele domingo, naquele sofá, o Lindalvo já havia discutido com a Feliciana por algum motivo do qual já não me lembro. Quando a esposa pediu que ele colocasse a comida no pratinho do pimpolho, que vivia na parte dos fundos da casa, o cara já esbravejou por não ter direito de desfrutar de sua soneca dominical pós-almoço na sogra. Ainda assim, foi.
Pensando em seu sofá e no cochilo interrompido, ao qual poderia voltar após a árdua tarefa, o marido abriu a porta dos fundos, desceu as escadas e quando se aproximava do prato do Platão (o cão de Feliciana) se surpreendeu com o que viu. Um pequeno rato, cinza, deitado lateralmente e com a boca aberta. Estava morto. Como teria parado ali? Bem, não era hora de indagações e nem de raciocínio investigativo. O sofá aguardava, já frio, o seu retorno aos braços aconchegantes. Assim, Lindalvo se apressou e logo voltava ao seu cochilo dominical, como de costume. Como se nada houvesse acontecido.
Lindalvo não era, por assim dizer, um homem preguiçoso. Ele trabalhava à noite, em uma fábrica de cosméticos. E quando a tarde caiu ele foi para mais um dia, ou melhor, noite de trabalho na firma. Como não estava em casa à noite, naturalmente, era a Feliciana que alimentava o Platão. Ela desceu as escadas, por volta das 9 da noite. Quando viu o defunto, o qual ele já tinha visto, não sabia se gritava, se corria, se largava a tigela com a comida ou se desmaiava. Quase aconteceu a última opção. Mas como todas as mulheres, que além de sentimentalistas são facilmente enojadas por algo que lhes traga repulsa, decidiu que colocaria no prato a comida do cão e subiria o mais rápido que pudesse para a casa.
Telefonou para sua mãe, que morava na mesma rua. Ela veio apressadamente e procurou acalmar a filha. E foi ela quem tirou o rato do quintal, dizendo que estava já duro. Dormiu com a filha naquela noite mórbida e escura.
Quando Lindalvo retornou do trabalho encontrou a casa limpa e desinfetada. Cortinas no varal, tapetes no muro, frestas de portas tampadas; eram apenas 8 e meia da manhã. Ao tentar entender o que acontecia foi interrompido pelo relato de Feliciana. Ela lhe contou tudo o que havia passado na noite anterior, nos mínimos detalhes, como é de praxe nas falas das mulheres. Fingindo estar espantado com a aterradora notícia, Lindalvo quase foi surpreendido quando Feliciana procurou saber se ele não tinha visto o rato um dia antes, ao servir Platão. Um "não" meio que tímido lhe saiu dos lábios ressequidos de preocupação.
Ela explicou-lhe que acordara cedo, pondo-se ao trabalho de eliminar qualquer possibilidade de que outros ratos invadissem seu quintal, ou a casa. Ela lavara os cômodos, o que era evidente pelo piso ainda úmido e escorregadio. Lindalvo dizia que, provavelmente, vizinhos mal intencionados poderiam ter jogado o pequeno roedor ali. Ele sabia que Feliciana mantinha a casa sempre limpa. Mas naquela manhã, um pensamento não lhe deixava, por mais que tivesse dó da pobre esposa: "Às vezes um rato morto pode ser útil na lida do lar!"

12 de setembro de 2005

O AMIGO DA ONÇA



Naquela manhã, na sala de aula, os alunos estavam já cansados do ritmo frenético com o qual a professora ditava o texto. Mas o pior não era isso, mas a sisudez da megera. Quem ousaria quebrar aquela rigidez estampada em seu rosto? Ela quer nos matar! – pensava um aluno. Quem ela pensa que é para ditar tão rápido? – outro. Agora entendo o que é ditadura, e por que isso foi tão ruim! – um terceiro. Embora todos pensassem algo negativo sobre a ditadora, ou melhor, sobre a professora, ninguém esboçava sequer uma expressão de descontentamento. Ninguém questionava os seus métodos.
Mas em toda turma, sempre existe aquele que quebra regras; o cara que não tem superego; o cara que seria capaz de fazer uma revolução por seus direitos como aluno. O Martin era um desses. Ele já estava inquieto. Não conseguia parar de olhar para a professora mas, sem coragem, não dizia uma só palavra. Experiente como era, a professora percebeu a atitude do rapaz e fitou-o bem nos olhos. Aproveitando a brecha, o menino mandou ver:
–Pode repetir as últimas duas frases, professora?!
Ao que ela retrucou, dizendo: – O que houve?
–A senhora poderia repetir um pouco mais devagar? Eu me perdi, professora! Respondeu o garoto, quase comovido pelo lapso e esperançoso de uma atitude bondosa por parte da educadora.
–É a última vez que vou repetir, portanto, preste muita atenção. Era a primeira vez que ela repetia o texto.
Depois dessa, ninguém mais se arriscaria a interromper o ditado, que continuava em ritmo de um carro de F1. O tempo passava rápido, tanto quanto as palavras que saíam da boca da ditadora, isto é, da professora. O silêncio era sepulcral na sala de aula. O sol da manhã já não era ameno e isso fazia o recinto ficar abafado. Os alunos pareciam exaustos da tarefa. A menina que se sentava em frente virou-se para Martin, perguntando a última frase dita pela professora. Após haver ajudado a colega, percebeu que tinha se perdido.
–Professora! – disse o garoto.
–O que foi desta vez? Você se perdeu de novo? – indignou-se a professora.Não. Minha amiga aqui é que se perdeu e fez com que eu me perdesse também!

6 de setembro de 2005

Estréia

Azar acontece na vida de todos. O meu, ter uma crença na sorte. Não existe sorte. Nós é quem criamos condições favoráveis aos acontecimentos, mas que às vezes dão errado (aí é o que chamamos azar).
Se você teve o azar (ou quem sabe a sorte) de acessar esta página, descobrirá que sorte é ler o que vai acontecer de agora em diante. Histórias, contos, reflexões e devaneios (um pouco de futebol de vez em quando). A poesia e o suspiro. Aqui. Na carta 13. Semanalmente.