1 de novembro de 2008

Eloá, Liberdade de imprensa e as armas de Saddam

Divulgação
Não dá para falar de imprensa sem falar em formadores de opinião. A sociedade usa da imprensa para obter informações que não pode conseguir de outra forma, e é a partir desta que ela forma sua opinião. O problema é que nem sempre a imprensa reporta o que é mais importante.

A grande imprensa não se interessa por detalhes que não dêem audiência.

Stedile critica duramente esse comportamento ao afirmar que existe uma fábrica de “manipulação de consciências” em que “a imprensa se mesclou com o império das corporações. Hoje, estabelece uma relação inseparável de total promiscuidade com o grande capital” (2005:16). Resultado da distribuição dos meios de comunicação, em que a maior parte se encontra nas mãos de oligopólios formados por grandes empresas que nada tem que ver com a prática do jornalismo.

Tais corporações, ou instituições, tendem a ditar o que é ou não é notícia.

Segundo Arbex (2005), esse era o tipo de relacionamento entre o governo militar e a Globo, que ignorou enquanto pode o movimento popular Diretas Já. Não era interesse da Globo, porque não era, obviamente, de interesse da ditadura militar. No exterior, a situação é semelhante. Em 2000, a America On Line incorporou a Time-Warner, HBO Cartoon Network e a rede de televisão CNN. Não há dúvida de que a linha editorial dos veículos foi alterada para satisfazer os critérios de seus novos donos.

Stedile (2005) ressalta a importância da democratização dos meios, pois sua função é servir como instrumento de informação cultural, debate e a crítica. Mas Abramo APUD Arbex (2005) desacredita a democratização ao afirmar: “em quarenta anos de jornalismo, nunca vi liberdade de imprensa. Ela só é possível para os donos do jornal” (2005:168). Arbex (2005) destaca que essa liberdade promove a divulgação massiva de notícias que venham a enriquecer seus donos por seu valor como mercadoria. São as notícias bombásticas e espetaculares.

Ele chama esse fenômeno de “showrnalismo” e recorda-se dos casos da atriz brasileira Daniela Perez, assassinada pelo autor Guilherme de Pádua, com quem trabalhava em novela da Rede Globo, e do julgamento do ex-jogador de futebol americano e também ator O. J. Simpson, acusado pelo homicídio de sua esposa e um amigo. Os dois casos tiveram ampla repercussão na imprensa do Brasil e dos EUA.

No caso de Daniela, exemplo mais próximo da nossa realidade, existe o que existe a “novelização” do caso. Daniela e Guilherme executavam papéis de personagens muito próximos. Quando do crime, a imprensa cobriu o assassinato de modo a misturar ficção e realidade, tratando o acontecimento como espetáculo, e os níveis de audiência tiveram alta surpreendente.

Assim, a imprensa da época, sobretudo a televisão, cristalizou a imagem da mulher-atriz, assassinada na vida real e com sua vida “encurtada” na trama. Criou-se um estereótipo que Barthes APUD Arbex, (2005) define da seguinte maneira: “O estereótipo engessa, estigmatiza, aniquila o ser ou a coisa que ele nomeia. O estereótipo é capaz de petrificar até mesmo aquela que deveria ser a mais livre, imaginativa e desejável entre todas as relações humanas: o amor entre dois seres” (2005:87).

Caso ainda mais próximo ocorreu neste ano, na cidade de Santo André, Grande São Paulo. A jovem Eloá Pimentel foi assassinada após ter sido mantida em cárcere privado por seu ex-namorado, Lindemberg Alves. Da mesma forma que em outros casos, houve interesse no espetáculo que a notícia causou.

Lanyi (2008) compara a atuação da imprensa a uma arena onde leão e vítimas lutam incessantemente, sempre sob o olhar do público. Ao invés de ajudar, a imprensa atrapalhou as negociações da polícia com o seqüestrador, uma vez que ele acompanhava pela TV tudo o que acontecia fora do apartamento onde mantinha Eloá, bem como todo o Brasil.
Para Hoineff , a atuação da mídia foi um desastre, pois

“revela menos sobre o seqüestro do que sobre a própria mídia. O seqüestrador não tinha antecedentes e estava tomado pela emoção. Tornou-se um assassino pela sua inabilidade em lidar com uma situação circunstancial. A televisão, porém, essa incentivou – e provocou – o assassinato. A mídia tinha inúmeros antecedentes – e estava movida pela cobiça. O seqüestrador vai passar alguns anos numa penitenciária, apanhar bastante, (...) e ser devolvido para a sociedade inutilizado. A mídia, nesse período, já terá tirado proveito de várias dezenas de casos semelhantes. Para os programas policialescos, o caso de Santo André será na melhor das hipóteses lembrado como um número. Um bom número que só interessa ao Comercial” (2008:1).

Ele também critica duramente a impunidade desse tipo de jornalismo, que busca audiência antes de tudo. Classifica como um mau jornalismo, cuja atitude é movida pela perversidade de considerar o telespectador como simples consumidor. O caso Eloá foi transmitido da mesma forma que se faz com o episódio final de uma série de TV, uma novela, ou um drama hollywoodiano. Por um momento, a comparação com o Big Brother seria perfeitamente possível, pois o desconhecido Lindemberg, preterido por Eloá, tornou-se nacionalmente conhecido e detestado.

Para retomar o raciocínio de Arbex, é importante frisar que em poucos meses quase ninguém se lembrará dos detalhes do caso Eloá. Da mesma forma que poucos se recordam o que aconteceu no dia 9 de novembro de 1989. Segundo Arbex (2005), correspondente da Folha de S. Paulo à época, a manchete do dia destacou a cassação da candidatura de Sílvio Santos à presidência da república. A manchete sobre a queda do muro de Berlim, o assunto mais importante do dia, foi jogada para o pé da página.

E a televisão, ao invés de explicar, apenas mostrou as cenas do muro sendo derrubado, jovens felizes pelo seu feito e pessoas atravessando a barreira que antes fora quase intransponível. O que fica na mente das pessoas são esses flashes, uma reconstrução da história da maneira que a imprensa registrou os fatos. O mesmo se dá com a Guerra do Golfo, 1991, promovida pelo presidente dos EUA, George Bush – pai. As cenas dos combates aéreos mostradas ao vivo pela Cable News Network (CNN) lembram mais um filme de guerra ou jogo de vídeo-game do que a própria guerra.

As imagens elegidas não continham sangue, morte de civis iraquianos, sequer as dificuldades dos próprios soldados americanos, mas a angulação se deu na medida em que imagens espetaculares eram oferecidas. É o que Debord APUD Arbex, (2005) chamou de Sociedade do Espetáculo, que é o estágio final da sociedade de consumo. Não importa o porquê dos fatos. Da mesma forma que poucos se lembram dos motivos da guerra, poucos vão se lembrar das supostas armas químicas do Iraque.
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ARBEX JR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo, Casa Amarela, 2005.
HONEIFF, Nelson. Quem matou Eloá? Disponível em: Acesso em 01 nov. 2008.

LANYI, José Paulo. Por que tudo acabou mal. Disponível em: Acesso em 01 nov. 2008.

STEDILE, João Pedro. Prefácio. In: ARBEX JR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo, Casa Amarela, 2005.

Um comentário:

Anônimo disse...

A imprensa matou Eloá!